sexta-feira, 13 de maio de 2011

Crítica Literária

Crepúsculo dos Deuses

Autor: Ângelo Inácio (Espírito)
Médium: Robson Pinheiro
Editora: Casa dos Espíritos
Número de Páginas: 293
Lançamento: setembro de 2002
Análise de Marcus De Mario*
Na capa do livro está escrito: "Uma ficção histórica sobre a vinda dos habitantes de Capela para a Terra". Entendamos a palavra ficção, que significa criação imaginosa, fantástica. Então, o livro "Crepúsculo dos Deuses" nada tem de verídico, até porque a ficção é ramo da literatura de criação artística baseada em elementos imaginários, ou seja, o Espírito Ângelo Inácio, autor da obra, tratou de coisa imaginária, fez uma criação a partir da sua imaginação. Não forçamos a interpretação, pois no Prefácio, com o título "Literatura Mediúnica", o autor diz textualmente: "Assim é que, de posse dos elementos que constituem a história das comunidades de Capela e da Terra, criamos personagens que incorporassem suas verdades, seus dramas". Como que em justificativa, informa que os personagens são falsos, mas que "são verídicos os fatos", "é a história dos deuses decaídos".
Temos aqui uma questão muito séria. Para o Espiritismo não existe queda dos anjos, retrogradação do Espírito e nem deuses decaídos. Tudo evolui, porque essa é a lei divina, e quando utilizamos tais termos provocamos confusão, ainda mais sobre aqueles que ainda não tem perfeito conhecimento dos princípios espíritas e suas consequências.
No capítulo "Assim Nascem Deuses e Heróis", que abre o livro, o autor espiritual volta a fazer uma afirmação que gera confusão: "deuses conjurados". Seriam os Espíritos, moradores de Capela, vinculados ao mal, e que foram, pela força da lei divina, levados a reencarnar na Terra. São Espíritos com nova oportunidade reencarnatória para descobrir o bem e resgatar o mal praticado em outras existências, não são deuses conjurados para sofrer num planeta hostil, ainda mais que o termo "conjurado" parece significar algo eterno, o que é incompatível com o ensino espírita.
Bem, continuemos nossa análise.
Na página 28 o autor fala de um cometa que iria se chocar com o planeta Terra, lá na época primitiva, já tendo homens habitando nosso mundo, e diz: "Era atraído irresistivelmente pela gravidade daquele mundo primitivo. Os deuses observavam de longe, e ele tinha de cumprir sua jornada, para a qual fora criado. Esse era o sentido de sua vida". Não sabíamos da nova nomenclatura: no lugar de Espíritos Superiores devemos escrever Deuses. Isso é uma afronta à doutrina espírita, uma aberração doutrinária. E assim o autor espiritual a todo momento utiliza termos como "mensageiro dos deuses", "filhos dos deuses", "visita dos deuses". Mas porque nossa preocupação se é um livro de ficção?
Nas páginas 32 e 33 temos pérolas literárias em flagrante contradição com os ensinos espíritas. Os deuses, desculpe, os Espíritos Capelinos formadores da legião do mal, visitam a Terra e verificam a existência dos homens terráqueos ainda primitivos, e discutem o que fazer, concluindo que o melhor é "modificaremos a estrutura genética deles de conformidade com os nossos padrões". Realmente, são deuses, pois tem o mesmo poder de Deus, ou se o poder não é o mesmo, possuem autorização divina para fazer somente o que Espíritos Superiores podem fazer e com autorização de Deus.
Nas páginas 52 e 53, o autor coloca num personagem humano atual, contundente crítica generalizada aos Centros Espíritas, dizendo que os Centros Espíritas perdem oportunidades de pesquisa e aprofundamento filosófico-científico, apegando-se ao religiosismo, o que ele dá a entender como desvio das finalidades do agrupamento espírita. Isso não é verdadeiro. Toda generalização é perigosa. As consequências morais dos princípios filosóficos e científicos do Espiritismo são de fundamental importância, e, diante de todos os acontecimentos mundiais da atualidade, concluímos que o homem é necessitado do Evangelho, que há falta do Cristo nos corações.
Na página 64 o Espírito Ângelo Inácio se contradiz. O personagem criado por ele critica mais uma vez os Centros Espíritas, em particular médiuns e dirigentes, para depois dizer que "em determinadas visitas que fiz a alguns agrupamentos que afirmam ser espíritas". Então não são espíritas. Há muito templo umbandista, e o dizemos com todo respeito, que se diz espírita, quando não o é. Há muito templo espiritualista utilizando a palavra espírita para se classificar, e nem por isso encontraremos o Espiritismo lá dentro.
Na página 68 os atuais capelinos estão organizando uma excursão, com nave espacial e tudo o mais, à Terra, e a conversação entre os personagens dá a entender que vai quem quiser, basta ser amigo do responsável. Não parece existir organização, autoridade, regras. Uma simples curiosidade jornalística é suficiente para carimbar o passaporte e assegurar o lugar na viagem.
Pior é o que está na página 69. Os atuais capelinos, segundo a ficção literária que estamos analisando, são bem mais evoluídos do que nós, mas vão utilizar uma nave espacial porque teriam dificuldade de volitar em regiões diferentes a que estavam acostumados, assim economizando energia mental. E temos outra coisa incrível: a viagem foi feita sem que soubessem em que língua se comunicariam conosco. Ora, levando em conta que a narração situa os capelinos atuais como muito evoluídos, muito espiritualizados, soam bem estranhas essas afirmações.
Na página 70 revela-nos o autor espiritual que "era como se a força gravitacional exercesse influência sobre nossos corpos espirituais". Ora, os Espíritos estão em outra dimensão energética, a dimensão espiritual, possuindo um corpo semimaterial, mais eterizado, que é o perispírito, portanto, a força gravitacional que sentimos quando encarnados não é a mesma quando desencarnados, ela é quase nula.
Na página 72 encontramos uma defesa, velada é verdade, da transcomunicação instrumental sem a necessidade do médium, o que as pesquisas provam justamente o contrário, e novamente temos um ataque gratuito aos Centros Espíritas e aos médiuns, dizendo que estes se comportam com excesso de zelo e fanatismo religioso, terminando por dizer que "os médiuns oficiais nos rejeitaram em muitos momentos". Não sabíamos da existência de médiuns oficiais, pois nunca vimos isso, e se zelo doutrinário é fanatismo religioso, então o Espiritismo está errado desde Allan Kardec. Será?
Na página 74, mais ataques aos Centros Espíritas e aos dirigentes das reuniões mediúnicas. Parece que, ultimamente, os Espíritos, através de uma nova literatura mediúnica, estão investindo justamente contra o canal de comunicação, a mediunidade, que lhes favorece o contato com os encarnados. É estranho, no mínimo.
A narrativa das páginas 78 e 79 comporta uma pergunta bem relevante: Se os capelinos, encarnados, são mais evoluídos, conhecem a realidade espiritual, a telepatia e vêem normalmente os Espíritos, porque a dificuldade da pesquisa no mundo terreno, tendo de se valer de espíritos humanos?
Na página 91 uma afirmação gratuita, sem base científica, a de que os corpos dos homens primitivos já haviam sofrido experiências genéticas de outros seres que na Terra estiveram antes dos capelinos. Em toda a narrativa o homem primitivo é um simples joguete na mão de extraterrestres, como se leis divinas não regulassem a evolução.
O restante da narrativa ficcional é muita ficção para comportar uma análise doutrinária. Teríamos que fazer tantos comentários que esta crítica acabaria se transformando num livro, o que extrapola nossos objetivos.
Lamentamos verificar que o médium Robson Pinheiro, que escreve por conta própria, pois tem livros de sua própria autoria, ao mesmo tempo em que psicografa, tenha enveredado por uma produção literária bastante questionável, em contradição com os princípios espíritas. Aliás, mediuns de produção literária exuberante, publicando sem parar, e trazendo "novidades" em seus escritos, merecem nossa atenção, pois fica muito fácil desligar o filtro do bom senso e da razão. E aqui, em termos espíritas, todo cuidado é pouco.
*Marcus De Mario é educador e escritor. É diretor do Instituto Brasileiro de Educação Moral e colaborador do Centro Espírita Humilddae e Amor, na cidade do Rio de Janeiro.

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